UM FUTURO MELHOR PARA NOVAS GERAÇÕES
Ações em educação garantem pleno desenvolvimento intelectual dos jovens
A habilidade para desenhar despertou na estudante carioca Andressa Leal Mendes, 15 anos, o interesse pela arquitetura. “Vejo na televisão o que os arquitetos fazem numa casa e digo pra mim mesma: um dia vou conseguir fazer melhor”, planeja. Estudiosa, organizada e detalhista, a adolescente de Nova Iguaçu (RJ) gosta de matemática e é apaixonada pela leitura. Toda a semana retira um livro na biblioteca. No contraturno da escola, Andressa se dedica à oficina de fotografia oferecida após o horário regular. Ela é destaque na turma.
Andressa cursa o 9º ano no Centro Integrado de Educação Pública Ministro Salgado Filho, que oferece aulas em período integral pelo programa Mais Educação. A estratégia faz parte do Plano Brasil Sem Miséria e garante às escolas o aumento da jornada em até sete horas diárias. No país, 35,7% das escolas que participam do programa têm maioria de alunos beneficiários do Bolsa Família. No contraturno, os alunos conciliam as disciplinas do currículo escolar e atividades esportivas e culturais.
A cada dia na escola, a menina vem traçando um futuro diferente do de sua mãe, Aline da Silva Leal, 31 anos. A vendedora ambulante precisa do programa Bolsa Família para ajudar no sustento de Andressa e suas duas irmãs. A infância foi difícil. Aos seis anos, foi obrigada a vender doces na rua sozinha para ajudar em casa. O sacrifício a impediu de frequentar a escola. “A primeira vez em que pisei numa sala de aula, na minha vida, foi para participar de uma reunião de pais”, relata.
Aline aprendeu sozinha o pouco que sabe sobre ler e escrever. Ela lamenta nunca ter auxiliado as meninas nas tarefas escolares. “Não posso ajudar, mas estimular sim”. E complementa: “Não quero filho meu na rua trabalhando. Posso me apertar um pouco, mas meus filhos têm que estar na escola para ter oportunidades”. Andressa se emociona com as palavras da mãe e diz que, ao pensar no que ela passou, tem mais motivação para estudar. “Não quero essa vida para mim”.
O compromisso com a educação e um futuro melhor para os filhos une beneficiários do Bolsa Família de Norte a Sul do país. Na comunidade Kalunga Vão de Almas, a 80 quilômetros de Cavalcante (GO), Janda da Cunha Pereira, 41 anos, leva todas as manhãs três dos seis filhos à escola, os menores. “Faltar, só se sentir alguma coisa, der febre ou se for período das águas”, declara, ao explicar que, quando o rio sobe, não é possível atravessar.
O quilombola estudou até o terceiro ano do ensino fundamental, mas só sabe escrever o próprio nome. Não quer o mesmo destino para seus filhos. “Quero que meus meninos cresçam na vida”, diz ele, que se desdobra entre a plantação de mandioca, a produção de farinha e os deveres de pai.
A permanência na escola é uma das contrapartidas exigidas dos beneficiários do Bolsa Família. Estudantes de 6 a 15 anos de idade precisam assistir a pelo menos 85% das aulas e adolescentes de 16 e 17 anos, 75%. Quase 17 milhões de alunos beneficiários têm sua frequência escolar monitorada todos os meses pelo governo.
Os dois filhos mais velhos estudam à tarde e percorrem, a pé ou de mula, os oito quilômetros para chegar à Escola Municipal Córrego da Serra. A primogênita Cristiane, de 14 anos, é o orgulho da família. “No ano que vem, ela termina o estudo e tem que ir para a cidade”, conta a mãe, Zelmira Fernandes da Cunha, 34 anos. Ela quer ver a filha superar o ciclo da pobreza e promete: junto com o marido, vai lutar para que Cristiane não pare os estudos.
“Eles aprendem mais. Além do português, das ciências, da matemática, aprendem a conviver, a gostar da leitura, a praticar esporte, a viver e construir situações que façam sentido para a sua inserção na sociedade”, avalia a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline Moll.
Entre 2002 e 2012, a defasagem idade/série entre os alunos 20% mais pobres caiu de forma notável em decorrência da exigência de frequência às aulas. Em 2012, menos da metade dos estudantes de 15 anos desta faixa de renda ainda registrava defasagem. Dez anos antes, esse percentual beirava 70%.
Os alunos do Bolsa Família estão presentes em 80% das escolas públicas de educação básica, o que representa aproximadamente 160 mil escolas e abrange cerca de 30% das matrículas. O Censo Escolar de 2013 mostrou crescimento de 139% no número de estudantes matriculados em tempo integral: de 1,3 milhão em 2010 para 3,1 milhões em 2013.
Quando mudou de escola no início do ano, Indianara Beloto de Vargas, 13 anos, desconhecia o timbre da escaleta, instrumento de sopro com um pequeno teclado análogo ao do piano. Não sabia também que a nova escola – a Senador Alberto Pasqualini, em Novo Hamburgo (RS) – tinha uma banda marcial.
Uma amiga foi quem a convidou para participar das aulas da banda no contraturno da escola. Contou, com orgulho, que memorizou o Hino Nacional em apenas duas horas. “Basta se empenhar para aprender”, diz a garota. “Nada é difícil”.
Questionada sobre o que mais gosta de estudar, ela responde prontamente: “Adoro matemática”. Indianara quer ser arquiteta, mas não descarta a possibilidade de ser jogadora profissional de handebol, outra atividade que pratica por meio do Mais Educação.
Longe das ruas – Para a professora de português Edevânia de Araújo Alves, 31 anos, o programa de educação em tempo integral oferece oportunidades para o desenvolvimento social das crianças e evita que elas trabalhem. “Se não tivesse o Mais Educação, eles poderiam estar na rua, aprendendo o que não devem”, relata.
Edevânia mora e leciona na aldeia Barão – onde vivem os índios da etnia Poyanawa – no município de Mâncio Lima (AC). Depois do horário regular, os estudantes têm aulas de teatro, música, letramento e atividades esportivas. O Mais Educação também ajuda mães que não têm com quem deixar seus filhos, como é o caso da própria professora. “Minha filha participa de todas as atividades e adora, não quer sair”, explica, ao falar de Yasmin, nove anos. “Ela melhorou muito a escrita desde que o programa foi implantado”.
Estudantes do Bolsa Família têm rendimento próximo ou até superior em comparação aos demais estudantes da rede pública. No ensino médio, por exemplo, os beneficiários têm aprovação maior (79,7%) do que os outros colegas da rede pública (75,5%).
Os resultados do Enem 2011 reforçam tais dados. Entre os estudantes da rede pública de ensino, os beneficiários do Bolsa Família tiveram nota 500,29, enquanto os não beneficiários tiveram nota 500,31.
A universidade é só o começo – A ex-beneficiária do Bolsa Família Ethiene Wenceslau conquistou uma vaga no concorrido curso de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Aos 22 anos, moradora da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, está no sétimo semestre.
“Quando você tem um objetivo, você faz de tudo para alcançá-lo”, diz a jovem que foi a primeira na família a entrar na universidade. A mãe deixou os estudos no ensino fundamental e o pai tentou cursar enfermagem, mas “parou no meio do caminho”. Na comunidade onde vive, cinco amigos entraram na faculdade na mesma época também pelo sistema de cotas. “Um tempo atrás, não teria nenhum”, pondera.
Para ingressar na faculdade, Ethiene enfrentou uma rotina exaustiva no último semestre do ensino médio. Precisou conciliar diariamente a escola pela manhã, o estágio obrigatório à tarde e as aulas em um pré-vestibular social à noite. Conseguiu desconto integral em um curso preparatório particular, que frequentava todos os sábados das 8h às 17h.
Atualmente, faz estágio no departamento jurídico da Souza Cruz, onde ganha cerca de R$ 1,2 mil. Ela diz que se sente feliz em conseguir cumprir, pouco a pouco, as metas que estabeleceu, mas ainda tem muitos planos. Quer ter tempo para fazer um curso de francês, comprar uma casa em um lugar melhor para a mãe e deseja conhecer a Europa, “mais por conta da França, que é o meu sonho”.
Texto: Eline Santos
Reportagem: Cristiane Hidaka, Isadora Lionço e Rejane Gomes
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