ELES SUPERARAM A POBREZA

Com mais oportunidades, brasileiros ultrapassam barreira da exclusão e da miséria


Foto de Delci Lutz costurando

No estreito sobrado de madeira na vila Grande Gala, em Novo Hamburgo (RS), Delci Lutz cria e costura figurinos para espetáculos de dança e teatro. No extremo oeste do Acre, a ribeirinha Luceildes Maciel planta mandioca para fazer farinha. Em Jacupiranga (SP), Regiane Silva dá aulas para crianças da pré-escola.

Essas brasileiras não se conhecem. São mulheres que ultrapassaram barreiras de exclusão e superaram a pobreza com o apoio dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família e as ações do Plano Brasil Sem Miséria, e de uma rede de proteção social que se amplia e se consolida a cada ano.

Mãe de dois filhos, Delci Lutz, 49 anos, teve o apoio desses programas para construir uma nova vida pra si e os dois filhos – Graziele e Daniel, de 18 e 17 anos. Há um ano, formalizou o próprio negócio, a “Delci Figurinos”, graças ao programa Microempreendedor Individual (MEI). Enfrentou a barreira invisível da exclusão e pôde esquecer as duras palavras do pai que repetia, a toda hora, que ela tinha que conseguir um emprego e esquecer essa “história de trabalhar por conta própria”.

“Sempre acreditei que ia fazer algo diferente, mas faltava um voto de confiança. Aí veio o Bolsa Família para me ajudar. Depois, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e o Sebrae me ajudaram no meu sucesso”. Em 2012, Delci fez dois cursos do Pronatec: o de desenho de moda pelo Senac e o de desenhista de calçados pelo Senai.

Os filhos seguiram os passos dela. Fizeram o curso de auxiliar administrativo do Pronatec, voltado ao público do Brasil Sem Miséria. Hoje, ajudam na parte administrativa da “Delci Figurinos”.

A figurinista aumentou o ritmo de produção nos dois últimos anos, por conta das encomendas que só crescem. A agenda esteve lotada de pedidos até o final do ano. Delci conta que gosta de pesquisar figurinos e “fazer peças únicas”. “Fazer figurino é diferente, é descoberta, é desafiador para mim”.

No pequeno ateliê nos fundos do sobrado onde a família mora, são produzidos figurinos para espetáculos de teatro e dança, além de vestidos de festa, o que rende à empreendedora entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil por mês. Ela já comprou duas máquinas industriais para “melhorar a produção”. Antes, a renda da família era de apenas meio salário mínimo.

A época mais difícil coincidiu com o fim do casamento. Os compromissos pesaram sobre seus ombros. Sozinha, criou os dois filhos. Naquele tempo, já fazia roupas por encomendas, mas o que ganhava não era suficiente para sustentar as crianças.

Entrou para o Bolsa Família para conseguir um complemento para sua renda. Também teve a chance de voltar a estudar. Hoje, Delci tem ensino médio completo e quer fazer faculdade de moda no ano que vem.

“A gente passou por uma situação bem difícil. Criei os meus filhos sozinha. Há muito tempo, somos só nós três. O Bolsa Família me ajudou muito a pagar as contas e dar segurança para eles”, ressalta.

Em julho de 2014, devolveu o cartão do Bolsa Família em uma solenidade de formatura do Pronatec em Novo Hamburgo. Contou sua história em poucas palavras, mas com muita emoção. “É com muito orgulho que entrego o meu cartão”, disse na época. Assim como Delci, outras 2,8 milhões de famílias deixaram o Bolsa Família porque melhoram de vida.

Quando lhe perguntam sobre o futuro, ela sorri e diz: “Acho que estou chegando onde imaginei. Queria ter o reconhecimento desse meu trabalho. Estou muito realizada”.

Foto de Luceildes Maciel na cozinha de casa

Bolsa Família e Bolsa Verde ajudaram Luceildes e sua família a ter mais qualidade de vida

O futuro na floresta – A beneficiária do Bolsa Família Luceildes Fernandes Maciel, 38 anos, nasceu e foi criada às margens do rio Moa, no Acre. Ela é exemplo de uma das principais características das políticas sociais brasileiras, a capilaridade, que possibilita alcançar os brasileiros mais pobres nos 5.570 municípios de um país de dimensão continental.

Para chegar até a comunidade onde a beneficiária vive com a família, leva-se quatro horas de barco a motor, partindo da cidade de Mâncio Lima, a mais ocidental do Brasil e mais distante em linha reta da capital federal. Casada, Luceildes é mãe de quatro filhos – entre 21 e 14 anos – e avó de dois netos. Ela e o marido plantam mandioca, milho, arroz e banana. Do rio, vem o peixe.

Antes de entrar para o Bolsa Família, vivia apenas da agricultura. “Tínhamos o alimento, mas precisávamos ir até a cidade tentar vender nossa farinha de mandioca”, conta ela. “A produção era para comprar o que faltava. Agora, podemos fazer compras na cidade sem preocupação”.

Aos poucos, o casal foi melhorando a casa de madeira. São três quartos, todos com cama, sem luxo. Só dois filhos moram com ela. Na sala, não faltam sofá e televisão; na cozinha, fogão, geladeira e freezer. Tudo novo. As panelas brilham; refletem até mesmo o olhar surpreso dos visitantes. São guardadas uma ao lado da outra, como se estivessem na vitrine de uma loja. “Um brinco!”, elogia a repórter. Ela timidamente abaixa a cabeça e sorri orgulhosa.

O que Luceildes compra de alimentos, ela divide com as duas filhas casadas. Parte do enxoval dos dois netos foi comprada com o dinheiro do programa. Destaca que não é só o Bolsa Família que ajuda. Beneficiária do Bolsa Verde, programa do Plano Brasil Sem Miséria que incentiva a conservação do meio ambiente e a melhoria das condições de vida de quem vive da floresta, ela recebe R$ 300 a cada três meses.

Planta apenas em áreas de capoeira, distantes duas horas a pé de sua casa. “Temos consciência de que, se desmatarmos, não teremos mais terra para cultivar nossas plantações”. A repórter pergunta se um dia ela pensa em sair da beira do rio Moa: “Nem pensar. Sou feliz aqui. Tenho tudo”.

Planos para o futuro – “Tenho esperança de crescer na minha profissão e uma vontade muito grande de trabalhar com palestras de motivação. Penso também em escrever um livro de como mudar de vida. Quero retribuir o que fizeram por mim”, diz, emocionada, Regiane Severo da Silva, 36 anos, moradora de Jacupiranga, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo.

Mãe de três filhos (15, 8 e 4 anos), ela e o marido Jeferson Kennedy Pereira, 41 anos, enfrentaram tempos difíceis. Ele trabalhou durante anos no cultivo da banana, atividade típica da região. Mas o que ganhava não era suficiente para sustentar a família. Depois, veio o desemprego.

Para sair da situação, em 2007, Regiane pediu ajuda no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da cidade. Lá, ficou sabendo que tinha direito a receber o Bolsa Família (R$ 166). Também conseguiu qualificação. Fez diversos cursos de artesanato (fuxico, patchwork, crochê e tricô). “O mais importante foi aprender que não era só receber o benefício. Eu tinha que continuar e ir mais longe. Procurei me qualificar e reinvesti o pouco que ganhava no meu artesanato”.

Infográfico que apresenta a redução da extrema pobreza Jeferson relembra que não foi fácil manter a família como sempre sonhou. Não esquece o dia em que o filho – na época com dois anos – pediu: “Pai, acende a televisão?”. A energia elétrica tinha sido cortada por falta de pagamento.

“Naquele dia, jurei que isso nunca mais ia acontecer. Essa foi a maior dor da minha vida. Energia elétrica dentro de casa eu não deixo faltar não”, garante ele.

Há dois anos, o dia a dia da família mudou. Jeferson passou no concurso da prefeitura e trabalha como guarda municipal. “Graças ao nosso esforço e à ajuda que tivemos, consegui passar no concurso. Hoje tenho o meu carro e posso carregar a minha família”.

Regiane também conseguiu emprego e devolveu o cartão do Bolsa Família. Formada em Magistério, ensina a crianças da pré-escola em uma instituição particular. Também voltou a estudar. Faz Pedagogia. Mas não abandonou o artesanato, que continua a complementar a renda.

Relata que sempre oferece ajuda às mães dos seus alunos para que elas tenham também a oportunidade de se qualificar e mudar de vida. Quer retribuir o apoio e a amizade que recebeu na fase mais dura de sua vida. “O ser humano precisa de uma oportunidade na vida, de alguém que acredite nele”, assegura.

Foto da agricultora Maria de Fátima dos Santos, a dona Fafá

Com a ajuda do Bolsa Família, dona Fafá dos Santos
criou oito filhos em Itapipoca

Superação no semiárido – Dona Fafá, como é carinhosamente chamada a cearense Maria de Fátima dos Santos, 51 anos, é ex-beneficiária do Bolsa Família. Assim como Regiane e Delci, ela devolveu o cartão do programa. Tinha percebido que conseguiria sustentar os oito filhos com a produção de verduras, hortaliças e frutas nas proximidades da sua casa, na comunidade Jenipapo, em Itapipoca (CE), a 130 quilômetros de Fortaleza.

“Fiz questão de pedir que eles passassem o benefício para uma pessoa mais carente aqui da comunidade”, revela.

Fafá não conhece outra rotina, apenas a da agricultura. Aos dez anos, já ajudava o pai na plantação. Casou adolescente e continuou cuidando da roça. Depois, com a viuvez, teve a ajuda dos filhos para cuidar da horta.

A agricultora conta que não teria saído do lugar se não fosse o Bolsa Família. A situação melhorou ainda mais depois de ter recebido cisternas, que lhe permitiram acesso à água.

Para Fafá, a cisterna é a “coisa mais maravilhosa que já fizeram”. Tem duas: uma para o consumo da família e outra para produção. “No tempo de estiagem, já até doei água para quem ainda não tinha cisterna”, relata. Antes da construção das cisternas, “puxava” água do cacimbão que fica a 300 metros da sua casa.

Hoje, ela produz sem agrotóxicos e colocou em prática as técnicas de agroecologia que aprendeu em um curso. Já ensinou os vizinhos a plantar mastruz do lado do pé de tomate e do pimentão, o que evita pragas.

Além do milho e do feijão, Fafá cultiva cheiro verde, tomate, pimentão, alface, manga, maracujá, banana, graviola e abacaxi. Na feira agroecológica da cidade, chega a faturar R$ 500 por mês, o que completa a pensão que recebe. Fala que, sempre que precisam, os seis filhos que já casaram passam lá no seu quintal para “pegar alguma fruta”.

Com o aumento da renda, a agricultora sonha em comprar um carro. “Cada dia a gente está melhorando e quero comprar um carrinho pra andar. Já estou fazendo minhas economias”.

O valor do quilombola – “O que está dando dinheiro mesmo é o mamão e a mandioca”. É assim, com palavras simples e voz acanhada, que Joaquim Fernandes de Castro, 54 anos, explica o que produz na comunidade quilombola Fazenda Ema, a 22 quilômetros de Teresina de Goiás (GO). Joaquim sempre viveu da roça, mas a renda era baixa e instável.

Hoje ele não precisa mais tentar vender a produção na cidade, como fazia em outros tempos. Há dois anos, comercializa tudo com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), estratégia que integra o Brasil Sem Miséria e possibilita a superação da pobreza no campo, com a inclusão de pequenos agricultores em uma rota produtiva.

Perseverante, Joaquim conseguiu vender, no ano passado, o limite do PAA para o produtor individual: R$ 4,5 mil. Com o dinheiro e mais o que lucrou com a venda de quase 200 quilos de sementes nativas de capim-andropogon, comprou seu primeiro carro – um Uno Mille, ano 1991. “Paguei R$ 5,5 mil e não me arrependo”, conta, orgulhoso.

O carro transporta, além do mamão e da mandioca, as hortaliças produzidas por ele. “Já teve tempo que carregava um saco de 20 quilos nas costas por dois quilômetros até a pista. Depois, pegava um ônibus ou uma carona até a cidade”, lembra o agricultor, que já planeja “comprar um carrinho melhor”. Mas antes quer aumentar a produção e, consequentemente, a renda da família.

Para ele, o quilombola “está sendo uma pessoa de valor para o governo”. Na comunidade, acredita o agricultor, a vida melhorou muito com o programa Luz Para Todos e o de habitação quilombola, do Ministério das Cidades, e outros benefícios sociais. Com a energia elétrica, por exemplo, as famílias da região passaram a armazenar os alimentos e utilizar eletrodomésticos.

Joaquim recebeu uma casa de alvenaria, graças a políticas públicas do governo federal.

A esposa Cenira – que é merendeira em uma escola municipal – e os seis filhos são beneficiários do Bolsa Família. Com o benefício, comprou um fogão novo e aposentou de vez o à lenha. A família planta milho, feijão, arroz e batata para consumo próprio. Deixa para comprar na cidade apenas o óleo e a carne. “O Bolsa ajudou na educação dos meninos e a comprar comida, roupas, fogão e geladeira. Ajudou em tudo”, relata Joaquim.

Foto de Joaquim Castro
Joaquim Castro: produção para o PAA, primeiro carro e casa nova


Texto: Rejane Gomes
Reportagem: André Gomes, Cristiane Hidaka, Isadora Lionço, Pamela Santos, Luiz Cláudio Moreira e Márcio Leal

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