OPORTUNIDADES PARA CRESCER
Com programas sociais, população mais pobre conquista inserção formal no mundo do trabalho
"Ela é a garota propaganda da obra”, gritou um dos 8,3 mil operários da ampliação de uma das maiores fábricas de celulose do país, à beira do Lago Guaíba, no Rio Grande do Sul, quando viu a tímida Simone ser entrevistada. Simone Nunes Vieira, 30 anos, é ex-beneficiária do programa Bolsa Família e, hoje, um exemplo de que, com a ajuda de ações e programas sociais do governo federal e muita força de vontade, é possível crescer e ainda ter a expectativa de ir mais longe.
A gaúcha do pequeno município de Camaquã (RS), a 30 quilômetros de Porto Alegre, trabalhou na roça quando criança. A vida difícil no campo a impediu de terminar os estudos. Teve três filhos. A oportunidade de melhorar de vida surgiu quando foi incluída no Bolsa Família, em 2011.
O dinheiro complementava a renda do marido, que trabalha em uma loja de material de construção. Ajudava a comprar roupas e alimentos para os três filhos. Mas Simone era irrequieta. Queria aproveitar tudo o que ofereciam para melhorar sua vida e de sua família. Viu os panfletos para cursos gratuitos oferecidos pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e logo se inscreveu para pedreira de alvenaria.
“Escolhi esse curso porque já tinha ajudado a levantar a casa do meu pai, fazendo massa, carregando tijolo e levantando parede”. Ao terminar o curso, Simone se candidatou a uma vaga na Celulose Riograndense. Como demoravam a chamar, não hesitou e fez também o curso de carpinteira. O emprego apareceu em 2013 e ela finalmente passou a fazer parte do quadro de funcionários da empresa. Quatro meses depois, veio a promoção. O salário aumentou de R$ 880 para R$ 1,5 mil, mais tíquete alimentação de R$ 320.
A renda mensal dela, mais a do marido, soma R$ 2,2 mil. Como eles, 1,7 milhão de famílias já deixaram o Bolsa Família voluntariamente – foram às autoridades e pediram para sair. Cerca de 1,1 milhão, além disso, foram desligadas por falta de recadastramento e nunca mais retornaram.Parte desse contingente são hoje novos empreendedores. Brasileiros que buscaram qualificação profissional, se colocaram no mercado de trabalho ou se formalizaram como microempreendedores, com a ajuda de programas como o Pronatec ou o Programa Crescer, de crédito orientado para produção, entre outros.
Simone contou que, no primeiro dia de trabalho, o corpo todo tremia, numa mistura de nervoso com alegria. Quase morreu de vergonha quando pisou na obra, disse ela, porque grande parte dos trabalhadores eram homens. Com o tempo, foi se acostumando e em um ano comprou um bolo – de padaria, mesmo – para comemorar. Hoje tem vários amigos no local de trabalho. A garota propaganda da Celulose sonha com mais coisas, como fazer o supletivo e conquistar novos espaços no mercado.
Com o salário de Simone, a vida da família mudou para melhor. Hoje, ela e o marido conseguem pagar uma pessoa para tomar conta da filha caçula de três anos. “Antes, queria comprar uma roupa para os guris e não podia. Não tinha como comprar, porque era só o salário dele. Agora, eu posso comprar, no mesmo mês, roupas para todos eles”.
A família também comprou um carro – um Corsa Sedan – e, em outubro deste ano, pagou a última prestação. Eles já tiveram outro carro “tão velho que nem funcionava”, contou a pedreira.
Quanto aos sonhos, Simone quer construir a própria casa e deixar de pagar o aluguel.
Desde 2011, o Pronatec para o público do Brasil Sem Miséria, com mais de 620 cursos orientados à população inscrita no Cadastro Único, registrou mais de 1,5 milhão de matrículas, de Norte a Sul do país.
Estratégia – O Plano Brasil Sem Miséria também promoveu o acesso de povos e comunidades tradicionais às políticas públicas, como o cigano Alex Soares da Costa. Com o primeiro benefício do Bolsa Família, recebido em março de 2014, ele comprou leite e fraldas para a primeira filha com a esposa Joagna Ferreira. O casal é muito jovem: ele tem 20 anos, ela, 19.
Os dois são ciganos da etnia Calon - primeiros a chegar ao Brasil no século XVI, de origem ibérica -, e vivem numa pequena comunidade próxima a Trindade, no estado de Goiás.
Assim que entrou no Cadastro Único como beneficiário do Bolsa Família, Alex descobriu um curso do Pronatec que, segundo ele, tinha tudo a ver com sua vocação profissional: a costura e o desenho de moda. Alex recebeu todo o apoio para realizar o sonho.
“Fiquei dois meses fazendo o curso. Aí comecei a trabalhar fora e peguei prática com cada costureiro que me aceitava como aprendiz”, explicou. “Mas as distâncias eram grandes, eu ia a pé e fui ficando cansado. Então conversei com o meu pai, que queria uma máquina para costurar em casa”.
Alex conseguiu R$ 3 mil no Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (Crescer) do Banco do Povo e comprou três máquinas de costura, hoje já pagas com o dinheiro do trabalho. Ele tem planos para o futuro. “Hoje trabalho por encomenda, mas tenho mesmo é vontade de costurar para mim mesmo, ter meus próprios produtos”, explica, planejando também, “lá na frente”, a contratação de uma costureira para ajudá-lo.
Produção em larga ecala – No Norte do país, um grupo de mulheres faz planos parecidos com o do cigano Alex. “Vamos formar um polo de confecção e realizar o sonho de vender para o exterior”, diz Maria Benício de Oliveira, 54 anos, professora de corte e costura do Pronatec. De onde vem o sonho? Da cooperativa Verde Moda Juruá, que reúne 64 mulheres formadas pelo programa em Cruzeiro do Sul, no estado do Acre. O certificado do Pronatec é requisito para integrar o grupo, coordenado desde o início deste ano pela professora, a idealizadora da cooperativa.
As mulheres podem trabalhar na cooperativa ou em casa – onde produzem bonecas, tapetes, cobertas e cortinas. “É uma oportunidade de ajudá-las”, enfatiza Maria Benício. “Todas trabalham com prazer e entusiasmo”.
Quem vê o sorriso no rosto das cooperadas não imagina o que passaram até que encontrassem alguém que “estendesse a mão”. A maioria das cooperadas não tinha renda. Muitas foram vítimas da violência. Algumas trabalhavam na roça para a subsistência. O acesso ao Cadastro Único e à oportunidade de qualificação profissional mudou a vida delas.
Mas, de acordo com Maria Benício, são coisas do passado. O negócio está indo bem. A Secretaria de Pequenos Negócios de Rio Branco doou máquinas industriais para as costureiras da cooperativa. Hoje, as mulheres confeccionam uniformes, atendendo escolas públicas em Cruzeiro do Sul e igrejas da cidade. Há demandas até de outros municípios. A média de produção é de pelo menos 1,2 mil peças por mês, incluindo as feitas em casa. “A produção está a todo vapor e, cada vez mais, chegam novas encomendas”, comemora a coordenadora.
O olhar é para o futuro. O plano de Maria Benício é formar, em um ano, um polo de confecção em Cruzeiro do Sul para abastecer o mercado interno. Em setembro, a cooperativa passou pela primeira grande prova no mercado competitivo, ao participar da Expo Juruá. “Foi um sucesso”, orgulha-se Maria Benício. As costureiras venderam 150 peças, entre vestidos, saias, blusas, colchas e almofadas, e arrecadaram R$ 2,6 mil. “O interesse pelos nossos produtos foi tamanho que recebemos inúmeros pedidos para pronta entrega”, comemora ela, já se preparando para o novo desafio.
Beneficiária do Bolsa Família, Maria de Nazaré da Silva, 51 anos, é hoje uma das costureiras da cooperativa. Conta que finalmente está trabalhando com o que gosta.
“Sempre trabalhei no seringal”, diz ela, que é mãe de sete filhos. Para ela, o Pronatec foi a chance de mudar sua realidade. No Senac do município, ela cursou corte e costura e modelagem.
“Não acreditava que conseguiria mudar de vida”, revela Maria de Nazaré, enquanto conta que aprendeu a fazer os uniformes dos filhos, além de muitas outras peças. “Não quero parar mais. Agora minha vida é outra e eu só espero melhorar daqui pra frente.” Para ela, fazer parte da cooperativa é motivo de orgulho e confiança no futuro. “Estamos só começando, mas tenho certeza que vai melhorar muito nossas vidas e aumentar nossas rendas também”.
Pão, pizza e orgulho – Adenilson Dutra de Souza, 27 anos, também é de Cruzeiro do Sul, no Acre, e também é ex-aluno do Pronatec. Ele foi atraído pelo curso de padeiro, onde aprendeu a fazer pão e pizza. Assim que concluiu o curso, recebeu uma oferta de emprego no próprio Senai. “Deixei de ser aluno e passei a ser professor, com muito orgulho”, conta. Ele atribui a contratação ao seu bom desempenho e força de vontade.
“Hoje, tenho renda e posso sustentar a minha família”, diz ele. “E ainda tenho a sorte de trabalhar no que gosto”. Como professor, discorre sobre a importância do certificado do Pronatec. “Sempre procuro indicar alunos quando surgem vagas. É importante para esses jovens, que precisam de uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho”.
Para ele, a vida melhorou muito, em todos os aspectos. Os planos para o futuro incluem fazer uma faculdade de gastronomia e ter sua própria confeitaria. Mais do que tudo, sabe a importância da dedicação e da confiança. É o que observa nos alunos, naqueles que também têm o “algo mais” no momento de, literalmente, meter a mão na massa.
Texto: Francisco MarquesReportagem: Cristiane Hidaka, Isadora Lionço e Rejane Gomes Leia também
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